Comentário

A PAC e o rendimento<br>dos agricultores

Miguel Viegas

Há muito que o PCP cri­tica e com­bate a Po­lí­tica Agrí­cola Comum (PAC) da União Eu­ro­peia. Uma PAC de­se­nhada para servir a agri­cul­tura do centro e do Norte da Eu­ropa sem olhar para as es­pe­ci­fi­ci­dades das con­di­ções de cada Es­tado na­ci­onal. Por isso de­fen­demos uma al­te­ração da PAC que per­mi­tiria a cada país poder apoiar as pro­du­ções mais ade­quadas aos seus in­te­resses, mas também às ca­rac­te­rís­ticas do clima e dos solos, evi­tando por exemplo o aban­dono de cul­turas tra­di­ci­o­nais e a sua subs­ti­tuição por novas pro­du­ções mais ou menos exó­ticas e cuja ade­quação ao nosso País é dis­cu­tível.

Mas esta PAC ca­rac­te­riza-se igual­mente por fo­mentar uma dis­tri­buição pro­fun­da­mente in­justa dos apoios que acabam por con­cen­trar-se num nú­mero muito re­du­zido de grandes agri­cul­tores que ficam com a parte de leão, dei­xando apenas mi­ga­lhas para a res­tante grande mai­oria. A con­cen­tração é aliás um ob­jec­tivo as­su­mido da União Eu­ro­peia que aponta para o outro lado do Atlân­tico onde o ta­manho médio por ex­plo­ração é cerca de cinco vezes su­pe­rior. Com as úl­timas re­vi­sões da PAC, todas no sen­tido da sua li­be­ra­li­zação, esta ten­dência de con­cen­tração da pro­dução foi-se acen­tu­ando, apesar de toda a fa­lácia sobre o re­co­nhe­ci­mento da im­por­tância da pe­quena agri­cul­tura fa­mi­liar como ins­tru­mento fun­da­mental da po­lí­tica de co­esão so­cial e ter­ri­to­rial.

Vem este texto a pro­pó­sito do úl­timo re­la­tório sobre a «Com­pa­ração dos ren­di­mentos dos agri­cul­tores nos es­tados mem­bros da União».(1) Este ex­tenso do­cu­mento tem o mé­rito de nos re­velar de forma to­tal­mente in­sus­peita as con­sequên­cias da PAC, di­zendo no fun­da­mental o que o PCP já sabia e de­nun­ciava há muito: a li­be­ra­li­zação da PAC, com a des­truição pro­gres­siva de todos os ins­tru­mentos pú­blicos de re­gu­lação da oferta, veio de­ses­ta­bi­lizar a vida dos agri­cul­tores, pre­ju­di­cando so­bre­tudo os mais pe­quenos e com maior in­ci­dência nos países do Sul.

Desta forma e numa pri­meira aná­lise global, o re­la­tório, que ana­lisa os ren­di­mentos de 2004 até ao pre­sente, aponta três as­pectos prin­ci­pais: uma ten­dência de longo prazo mar­cada por uma quebra do ren­di­mento dos agri­cul­tores, uma pro­funda ins­ta­bi­li­dade no curto prazo e uma grande de­si­gual­dade na dis­tri­buição do ren­di­mento, entre pe­quenas e grandes ex­plo­ra­ções e entre ex­plo­ra­ções de países dis­tintos.

Quem acom­panha o sector como o fa­zemos de forma cons­tante, não pode ficar sur­pre­en­dido com estas con­clu­sões. O re­la­tório vai mesmo ao ponto de de­ta­lhar a ten­dência de quebra dos ren­di­mentos, re­le­vando a su­bida dos custos de pro­dução as­so­ciada a uma baixa dos preços pagos ao pro­dutor. Pra­ti­ca­mente todos os con­sumos in­ter­mé­dios su­biram de forma sig­ni­fi­ca­tiva, com des­taque para os adubos e a energia. Quanto à ins­ta­bi­li­dade ou vo­la­ti­li­dade, ex­pressão muitas vezes usada para o sobe e desce dos preços, também não nos sur­pre­ende. A vo­la­ti­li­dade de­corre, por um lado do fim dos ins­tru­mentos pú­blicos de re­gu­lação da pro­dução e por outro da apli­cação cres­cente de pro­dutos fi­nan­ceiros na agri­cul­tura, com es­pe­cial des­taque ao nível das ma­té­rias-primas au­men­tando assim a es­pe­cu­lação sobre bens ali­men­tares. A de­si­gual­dade é igual­mente im­pos­sível de dis­farçar. O re­la­tório aponta mesmo para sete países que se des­tacam dos ou­tros pelos seus ren­di­mentos agrí­colas ele­vados: Ale­manha, Bél­gica, Di­na­marca, França, Lu­xem­burgo, Ho­landa e Reino Unido.

Mas a de­si­gual­dade no ren­di­mento as­sume par­ti­cular re­levo na com­pa­ração por ta­manho de ex­plo­ração. Con­firma-se assim que as mai­ores ex­plo­ra­ções apre­sentam ren­di­mentos muito su­pe­ri­ores às ex­plo­ra­ções de me­nores di­men­sões (ren­di­mento me­dido em valor acres­cen­tado lí­quido por uni­dade de tra­balho anual). O nível de de­si­gual­dade na dis­tri­buição do ren­di­mento na agri­cul­tura, me­dido através do Índice de Gini, re­pre­senta quase o dobro do ve­ri­fi­cado nos ou­tros sec­tores de ac­ti­vi­dade eco­nó­mica (o es­tudo aponta para um ín­dice de Gini de 0,6 quando ob­ser­vamos 0,3 na so­ci­e­dade como um todo).

De acordo com os tra­tados da UE, um dos ob­jec­tivos da PAC passa por «as­se­gurar um nível de vida equi­ta­tivo à po­pu­lação agrí­cola, no­me­a­da­mente através da ele­vação do ren­di­mento in­di­vi­dual da­queles que tra­ba­lham na agri­cul­tura» (ar­tigo 39 do TFUE). Não custa nada pro­clamar ob­jec­tivos so­nantes. Mais di­fícil é ter uma prá­tica po­lí­tica con­se­quente com estes ob­jec­tivos. Há muito que a UE perdeu a face e re­vela a sua ver­da­deira na­tu­reza. O PCP tudo tem feito no Par­la­mento Eu­ropeu para de­fender a agri­cul­tura por­tu­guesa e em par­ti­cular a pe­quena e média agri­cul­tura exi­gindo me­didas ime­di­atas para res­ponder à crise pro­funda em que nos en­con­tramos, mas pug­nando igual­mente por me­didas de fundo com rompam com este mo­delo ne­o­li­beral, que de­fendam o in­te­resse na­ci­onal e a so­be­rania ali­mentar e abram ca­minho a uma ver­da­deira po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda, também na agri­cul­tura.

 (1) Con­sultar em: http://​www.eu­ro­parl.eu­ropa.eu/​think­tank/​fr/​do­cu­ment.html?re­fe­rence=IPOL_STU(2015)540374




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